“Um fracasso.” Esse era o único jeito ao qual seu pai se referia a sua prole.
Essa história começa 23 anos atrás, nos laboratórios escusos localizados nas masmorras da sede da Casa Azyrhal.
“Finalmente um espécime viável,” Aegon Azyrhal disse, ao cortar a barriga da última de suas escravas que se deitavam uma do lado da outra em uma grande mesa de pedra. Descartando o corpo mutilado de onde a criança saiu, ele pega o bebê recém-nascido em suas mãos e o examina.
“Um fracasso,” ele disse ao ver o sangue de tom amarelado saindo pelo cordão umbilical e a feia deformidade em seu rosto, uma marca de nascença nas beiras de seu olho direito.
O bebê era um menino completamente saudável, e chorava com fortes pulmões. Nas mãos de qualquer outro, seria motivo de felicidade, mas Aegon tinha somente um objetivo em mente com esse experimento, e estava mais que claro que, embora fosse um avanço, ele ainda teria que ajustar o procedimento.
Ele descartou a criança para a mesa, junto do cadáver da sua mãe, e procedeu a retornar aos seus aposentos.
“Mas meu lorde, e o bebê?” uma das amas de leite escravas de Aegon, chamada Vhanyr, perguntou.
“Descarte-o. Isso aí é um fracasso, nada mais,” ele disse em tom frio, se retirando, nem sequer olhar para a serviçal.
Mas ela não teve a força para sacrificá-lo. Não, ela foi contra a palavra de seu senhor, e o sequestrou para a morada dos escravos. “Já houve outros que sobreviveram o parto, nenhum por mais que alguns dias,” ela pensou. “Cuidarei dele até lá.”
Ela manteve a criança em segredo, criando-a nos confins dos aposentos dos escravos do castelo. Não ousou dar-lhe um nome, apenas o chamava de meu pequeno dragão. Este bebê fora um dos poucos que sobrevivera o traumático parto dentre inúmeros, e, contra todas as probabilidades, seguiu vivo por meses, e depois anos.
Este pequeno dragão, agora criança, era quieto, observador e curioso. Ele adorava explorar o castelo, para o desespero de sua mãe. Seus cabelos prateados, raspados como os de um escravo, traíram sua herança da nobreza valiriana, mas seus olhos vermelhos como sangue de escravo eram o suficiente para apaziguar qualquer curiosidade, quando somada a desculpa de ser um bastardo. Não tinha o fogo de dragão nos olhos como um verdadeiro dragão dourado de Azyrhal.
O pequeno dragão foi mantido em segredo por quatro anos, até que por acidente ele foi capturado por um dos guardas ao tentar afanar um pedaço de pão das cozinhas, e foi levado até seu “pai”. A sua mãe adotiva, assim que descobriu o paradeiro de seu querido dragãozinho, em prantos, chegou aos aposentos de Aegon Azyrhal, implorando para que a vida de seu filho fosse poupada. Ele a viu com a sua indiferença típica, seguida de um olhar de ofensa por ter uma escrava se dirigindo a ele sem ter sido chamada. Mas havia mais alguma coisa de errado, tinha algo que lhe capturou a curiosidade. Sim. Ele se reconheceu nos olhos vermelhos do rapaz.
“Desgraçada! Insubordinada! Este é o bebê que a mandei descartar há anos, e você o criou como se fosse seu!?” Aegon esbaforiu, dando um forte tapa na cabeça da mulher, que caiu ao chão, deixando uma leve mancha de sangue vermelho em sua mão. “Ele não passa de um fracasso, mas ainda assim está léguas acima de você.” O lorde olha para a criança. “Você não é meu filho,” Ele pega o braço da criança com força, quase quebrando-o “mas mesmo seja que muito pouco, meu tem o meu sangue correndo por suas veias. Ainda deve ter seu valor.”
Ele então olha de volta a Vhanyr, e depois, aos guardas que a seguravam. “Sabem a punição a quem me desobedece.” Os guardas consentiram em silêncio, e com suas espadas, rapidamente a decapitaram, bem em frente aos olhos vermelhos de seu o pequeno dragão.
“E quanto a esse fracasso,” Aegon olha de volta para a criança. “Vendam-no como escravo para algum feiticeiro. Se não estou errado, o navio que parte para Asshai da Sombra está na cidade até amanhã. Estou curioso para ver se usarão isso como comida ou como insumo para seus feitiços.”
No dia seguinte o fracasso fora levado até o porto. Sem compreender muito bem o que acontecia, a criança observava os guardas conversando com um velho homem usando vestes exóticas em preto. O senhor se aproximou, e com uma adaga que sacara de suas mangas, cortou uma lasca de sangue no braço do fracasso. Ele viu o leve vestígio de sangue dourado que vazava das veias do menino. Ele menciona algo em uma língua estranha aos guardas, e entrega um saco de 10 dragões de ouro a eles.
Sem que nem houvesse tempo de compreender o que ocorrera, este velho senhor enfaixou o braço cortado do fracasso, e o puxou até o navio. O navio tinha formas estranhas entalhadas na madeira negra, e em suas velas estava o símbolo disforme das longínquas terras sombrias.
A viagem duraria um ano inteiro, e, prodigiosamente, pelo menos nesses primeiros meses, o fracasso havia permanecido sem um arranhão. Ao contrário. Parece que o velho tinha um certo zelo pelo menino. Nesse tempo os outros escravos começaram a chamá-lo de Qeldlie, a palavra do alto valiriano que significa amarelo, tal qual a cor de seu sangue.
Qeldlie, ainda uma criança, pegou rapidamente os fundamentos de Asshai’i, a língua de Asshai, e com isso, dia após dia, ficava mais claro que havia sido comprado como escravo, assim como fora sua mãe. Mas de certo modo também era diferente, afinal o velho não o ordenava ou feria, apenas checava se o garoto permanecia saudável.
Com o tempo aprendeu mais e mais e conseguiu ter sua primeira conversa com o senhor do navio. Seu nome era Zhoull’xi, um mercador de escravos. Ele havia comprado Qeldlie por ter um cliente em Asshai da Sombra muito interessado no sangue dourado dos Azyrhal. Ele contou que sabia escravizar um puro-sangue seria impossível, mas que seu sangue sujo deveria bastar para o bruxo que havia o encomendado.
Nesse um ano de viagem ele aprendera com os escravos o básico da autodefesa, e com o comerciante de escravos, um mínimo da arte da lábia. A criança precisaria disso para sobreviver em Asshai.
Após desembarcar em Asshai, o comerciante de escravos levou Qeldlie e mais uma dúzia de escravos até uma grande casa de pedra negra de aspecto oleoso, que reluzia uma luz verde quando o sol batia, onde esperava um senhor idoso, alto, magro, pálido, de cabeça raspada, olhos negros rodeados de grandes olheiras e lábios azuis-escuro.
“Excelente Zhoull’xi, vai encontrar seu pagamento como de costume,” o idoso disse. “E o que é isso? Não me diga que conseguiu um filhote dos dragões dourados para mim?”
“Isso mesmo, meu senhor Vuggith,” ele puxara o braço de Qeldlie, o jogando aos pés do senhor de lábios azuis. “Um espécime com o sangue dourado que desejava.”
O estranho idoso se aproximou da criança, e fez com uma adaga como Zhoull’xi havia feito um ano atrás, e o sangue amarelo começou a vazar do novo ferimento. Sua expressão não era de satisfação. “Tolo! Este é um mestiço! Olhe seu rosto, os dragões dourados tem aparência imaculada!” Ele jogou o sangue que derramara na sua mão na direção do comerciante de escravos. “Eu preciso do mais puro dos puro-sangues. Olhe para isso, quase não tem nobreza alguma.”
“Não vai querer ficar com ele, meu senhor?” Zhoull’xi suplicava. “Tenho certeza que mesmo diluído, o sangue dele poderia…”
“Basta!” O senhor de lábios azuis interveio. “Zhoull’xi, em prol de nosso acordo, ficarei com a criança, mas eu pedi um puro-sangue, e você me traz… isso. Um fracasso. Não pagarei o valor que pactuamos.” O rosto do comerciante se franze, enquanto o idoso continuava. “Fique feliz com um vigésimo do valor. Garanto-lhe que é mais do que esse traste valeria no mercado de escravos.”
O velho comerciante pensou em protestar, mas sabia do que acontecia com quem desafiava o lorde bruxo Vuggith de Asshai. Derrotado, ele concedeu e partiu, deixando Qeldlie e os outros escravos nas mãos desse velho estranho.
Anos se passaram em Asshai. Vários experimentos estranhos foram feitos com o sangue de Qeldlie, todos terminados em fracasso. “Lhe falta potência Qeldlie. É uma pena, mas pelo menos você é útil,” o bruxo Vuggith de Asshai costumava dizer. O rapaz conforme crescia conseguiu conquistar os bons olhos de seu proprietário, entre dos experimentos que o deixavam quase exsanguinado, de modo que esse passou a tratá-lo de maneira diferenciada, não mais como uma mera posse e insumo para sua alquimia, mas como uma pessoa. Eventualmente oficiou-o como aprendiz. Vuggith ensinara ao rapaz o básico da magia das sombras, também sobre medicina e alquimia, e até sobre os deuses e o mundo. Foram quinze anos duros sob Vuggith, que como mestre era ainda mais rigoroso do que como dono de escravos, até que ele disse que Qeldlie estava pronto para uma provação, que umbromantes deveriam passar. Ele deveria realizar um ritual umbromante em Stygai, e retornar com vida.
“Stygai.” Qeldlie aprendera a temer o local. Dizia-se que somente os mais bravos, ou loucos, dos umbromantes de Asshai sequer tentavam se aproximar dessa cidade assombrada.
“Você vai precisar disso para sobreviver,” Disse mestre Vuggith ao seu aprendiz, lhe entregando uma mochila de couro contendo várias coisas, dentre elas, suprimentos de viagem, uma vela feita de vidro negro, uma esfera de pedra preta entalhada com símbolos que pareciam deslizar pela superfície de aparência oleosa, e um livro de aparência macabra.
“O Krivbeknih irá mostrar o caminho, a esfera de pedra você queimará no fogo quando for acampar, e a vela negra você irá acender e através dela tentará enxergar.” Essas foram as instruções que seu mestre havia lhe dado.
Seguindo as estranhas letras que pareciam rastejar pelas páginas do Krivbeknih, Qeldlie percorreu a paisagem alienígena de pináculos de pedra negra até chegar aos portões arruinados da gigantesca muralha de pedra de Stygai, a cidade cadáver. Parecia que só essas muralhas deveriam ser mais altas que a Muralha de Gelo no norte de Westeros, ou até mesmo que os Cinco Fortes de Yi Ti. Essa grandiosidade estava estranhamente contrastada com o silêncio mortal que o circundava. Pelo menos antes de se aproximar dessa grotesca edificação, o vento soprava, e dava para se ouvir as altas lâminas de grama-fantasma balançando e roçando uma na outra. Agora, nada mais soava, somente os passos do jovem que, em silêncio, percorreu as ruas estranhas de pedra negra dessa cidade em ruínas. Era algo diferente de tudo que já vira anteriormente, sua geografia era estranha, e mesmo seguindo mapa narrado nas histórias estranhas do livro, Qeldlie se viu perdido por ruas de ângulos estranhos e impossíveis. Sempre na periferia de sua visão, as sombras se moviam, como se caçoassem do rapaz. Ele estava na beira de ter um ataque de ansiedade, quando sentiu algo vibrar em sua mochila de couro. Ele tirou a mochila das costas e averiguou que era a esfera de pedra. O rapaz tirou o artefato estranho para tentar entender o que ocorria, que acidentalmente causou com que o livro caísse para fora, de maneira que parecia ter vontade própria, pois abrira espontaneamente em uma página específica.
Essa página indicava claramente que Qeldlie estava no local correto. Sem entender como chegou ali, ele olha em volta, e com a exceção das sombras sempre presentes em sua visão periférica, o local era silencioso e estático como uma tumba. Não perdeu tempo, ele não queria ficar por lá um segundo a mais que o necessário. Rapidamente começou uma fogueira usando dos inúmeros restos secos de árvores que pareciam estar mortas há séculos, e ao lado dela, montou sua tenda de peles. Agora só deveria esperar.
O dia e a noite se confundem em Stygai, o dia é escuro dentre os picos pontiagudos que não permitem a entrada da luz do sol em qualquer hora, exceto ao meio-dia, e a noite reluz com uma luz misteriosa emanada da pedra da qual a cidade fora construída. Mesmo assim, Qeldlie presumiu já ser noite, e começou o ritual indicado pelo seu mestre. Começou pela esfera preta. Mesmo antes de jogá-la ao fogo, essa pedra já se apresentava quente ao toque. O jovem arremessou-a ao fogo, sem grandes resultados. Confuso, esperando que algo acontecesse, consultou o Krivbeknih. Nada lhe fora revelado pelas páginas confusas, então apenas lhe restou tentar acender a vela de vidro negro.
Não importa quanto tempo ele deixasse a vela no fogo da fogueira, a vela não acendia. Minutos se passaram, até que um barulho de ruptura ecoou pela cidade fantasma. Uma porta de um prédio em ruínas próxima havia sido aberta, mas nem sinal de nada, nem ninguém em volta. Suando frio, Qeldlie continuou a tentar acender a vela, pois assim que o fizesse estaria livre para ir embora desse lugar.
Minutos se passaram, e outro ruído ecoou pelo seu acampamento. Dessa vez era um fragmento de um muro de pedra negra que havia sido derrubado, muito mais perto do acampamento que aquela porta que abrira sozinha. Seu nervosismo estava no limite. “Acende porcaria de vidro desgraçado! Isso é vidro de dragão não é? Saiba que o sangue do Deus Dragão percorre por minhas veias! Eu lhe comando, acenda!”
Sua voz ecoou pela cidade por vários segundos. Essa explosão de raiva se provou eficaz. Algo estava diferente, não com a vela, mas a esfera estava trincando no fogo. O barulho de rachaduras se formando na pedra era alto nesse ambiente silencioso. Em tempo a pedra se rompe em uma explosão de faíscas esverdeadas. O fogo da fogueira é substituído por uma luz bruxuleante de uma cor que Qeldlie jamais havia visto. Era linda. Era assustadora. Ela o atraiu e nela ele enxergava visões turvas e confusas nas quais ele pareceu se perder por muito tempo.
Até que lhe ocorre um momento de compreensão. “A vela!” O jovem pegara a vela e a colocou nessa luz estranha. A luz da fogueira se extinguiu, mas a vela estava agora acesa. Brilhando a mesma luz de cor que Qeldlie jamais havia visto, mas agora muito mais brilhante.
“Agora só preciso… enxergar…” Seguindo as instruções, novamente claras, do livro, Qeldlie encarou as chamas. Nesse momento todo o seu entorno se tornou trevas, conforme as sombras que dançavam em sua visão periférica o englobaram.
Era difícil de respirar, e impossível de enxergar. Mas eventualmente uma série de visões confusas percorreram por sua mente. Qeldlie não se lembra da maioria delas, como se sua mente estivesse tentando desesperadamente se proteger de algo que não deveria ser sabido. Mesmo assim o rapaz se lembra de certas passagens. Ele viu o castelo onde nasceu rodeado por fogo e morte. Ele viu um número de dragões dourados se levantando dentre os escombros de uma fortificação e voando para oeste. E por fim teve uma visão de seu pai pairando dentre as sombras, mas não era uma visão como as outras. Essa efígie de seu pai parecia olhar a uma direção fixa aonde o jovem só via trevas, mas ao se aproximar para ver melhor o que o velho Azyrhal olhava tão intensamente, Aegon parece, de alguma maneira ter percebido a presença de Qeldlie, e mirou seu olhar franzido diretamente ao fruto do seu experimento falhado, fazendo uma expressão de grande surpresa.
“Você? Impossível. Como continua vivo?”
E com essa frase ecoando em sua mente, o jovem Qeldlie perde a consciência.
Dor. O jovem retornava lentamente a consciência, e mesmo antes de recobrar os sentidos, ele sentia dor por toda parte. Finalmente ele acordou e percebeu que estava rodeado de sombras vivas, que o arranhavam e mordiam como selvagens que não comem há dias. Por entre a escuridão assustadora de Stygai, lutando desesperadamente com esses seres feitos de sombras, Qeldlie conseguiu se levantar e, tremendo, teve uma fração de segundo para averiguar sua situação. A sua volta havia vários desses seres sombrios, mas ao canto de uma parede de pedra de ângulo estranho, ele avistou um esqueleto, de pé, usando vestes de nobreza valiriana.
Por entre os guinchos e grunhidos dos seres sombrios, a voz grave e rouca do esqueleto penetrou seus ouvidos. “Por aqui, meu suserano, meu senhor,” o esqueleto disse apontando para um canto sombrio entre dois fragmentos de muro com sua mão composta somente de ossos.
Sem tempo para raciocinar, Qeldlie correu na direção indicada pelo estranho esqueleto vivo. Era por onde ele tinha vindo. Era o caminho de volta! O jovem correu das figuras sombrias, as quais já o perseguiram com velocidade. A confiança que ele tivera um momento atrás já se esvaíra, pois nessa perseguição, e sem o livro, que havia sido deixado para trás, o rapaz novamente se encontrou perdido por entre as ruas confusas da cidade cadáver, quando novamente ele ouviu:
“Por aqui, meu suserano, meu senhor,” a voz do esqueleto disse, vinda de trás do rapaz. Qeldlie olhou na direção da qual a voz parecia ter se originado, mas não havia sinal do esqueleto, porém nem tudo estava perdido, naquela direção ele reconheceu a última parte do caminho até a saída desse pesadelo. Finalmente livre dessa cidade maldita.
As muralhas lentamente foram ficando para trás, quando o jovem parou um segundo para respirar, e percebeu que os ruídos das sombras já haviam se silenciado. Novamente ele ouvia o barulho do vento sinistro soprando as brilhantes folhas de grama-fantasma.
Novamente em Asshai, Qeldlie relatou o ocorrido ao seu mestre, as visões, as sombras, e o esqueleto bem-vestido que aparentemente o seguia por toda parte, aparecendo e desaparecendo conforme a sua vontade. O bruxo Vuggith julgou que eram apenas acontecimentos comuns de quem ousava entrar em Stygai, e parabenizou o rapaz por completar a tarefa que lhe fora dada.
Um ano se passou desde a provação em Stygai. Qeldlie nesse período havia se tornado um tanto instável, com as constantes interrupções do esqueleto, às vezes sobre como ele era de fato um suserano, e estava destinado a se tornar o rei do sangue amarelo, às vezes o avisando de perigos, às vezes cantarolando canções macabras, e às vezes, tentando o convencer de cometer sacrifícios em nome do futuro rei do sangue amarelo. Seja lá o que isso fosse significar.
Em um dia comum de pesquisa no castelo de pedra negra de Vuggith, uma carta chegara pelo navio vindo de Valíria, o mesmo navio do comerciante de escravos que trouxe Qeldlie até Asshai.
A carta estava selada com o selo dos Azyrhal, e endereçada ao jovem de cabelos brancos, olhos vermelhos e marca de nascença no rosto. Ela expôs que ele era requisitado pelo lorde Aegon Azyrhal, e que deveria se tomar o primeiro navio até Valíria. “Não devo nada a esse homem,” o jovem pensou em voz alta. Mas antes que pudesse completar o raciocínio, novamente o esqueleto o interrompe. “Meu suserano, meu senhor, essa é a oportunidade que você estava esperando, não perca a chance de agarrar o seu destino.”
“Não. Não conheço aquelas pessoas, só sei que são cruéis e mataram minha mãe, eles…” Qeldlie novamente falava em voz alta, mas foi novamente interrompido pelo esqueleto.
“Não, meu suserano, essa é a chance te tornar-se o monarca que você nasceu para ser. Use aqueles que te desprezaram, use-os, meu lorde, como os degraus da sua magnífica ascensão. Meu senhor, suplico que reconsidere.” A voz rouca e grave do esqueleto ecoa pela sala, quando, dessa vez, é Vuggith que o interrompe.
“Qeldlie. Você não está enxergando as possibilidades? Lembra-se dos experimentos aos quais eu te submeti?” Vuggith indagou. “Você está sendo chamado de volta ao ninho dos dragões dourados. Eu não tenho mais muito tempo de vida, mas você tem todo um futuro pela frente. Complete aquilo que eu não pude, eu imploro. Vá, aproveite a sua liberdade e cumpra o seu destino.”
Um ano inteiro de jornada pelos mares de Jade e do Verão se passara com poucos percalços, com destaque a dois desaparecimentos misteriosos de marujos pelo trajeto, fruto de Qeldlie ter sucumbido as vontades mórbidas do esqueleto. Mas, finalmente, Qeldlie desembarcava do navio de escravos, sua tarifa paga com o ouro de Vuggith. Ele se despediu do velho comerciante de escravos que o tratara tão bem, mesmo que por interesse próprio, todos aqueles anos atrás. E respirou o ar valiriano pela primeira vez em dezoito anos.
No porto, uma guarnição aguardava Qeldlie em uma liteira. Ele fora empurrado as pressas para dentro, onde esperava sentado seu pai, a figura imponente de Aegon Azyrhal.
“E foi então que o meu fracasso voltou aos meus sonhos para me assombrar,” o lorde Aegon falou em tom irônico. “Você parece bem.”
Qeldlie se lembrava de como deveria sempre ficar em silêncio na presença do lorde, e permaneceu quieto.
“Pelo Deus Dragão,” o lorde suspirou. “Havia me esquecido o quão… imperfeito você é, uma versão arruinada de mim… Mas se conseguiu acender uma vela de vidro negro, eu tenho utilidade para você.”
Qeldlie permaneceu quieto, consentindo, enquanto o esqueleto sussurrava em seu ouvido, “Meu suserano, meu senhor, tome o lugar de seu pai, ele está velho, e assim estará um passo mais próximo de ser o rei do sangue amarelo…”
“Você agora será Vhaxes Azyrhal, o meu filho,” o velho lorde disse, lhe mostrando um pergaminho que os oficiavam como pai e filho legítimo. “Existe algo que preciso que faça na corte, mas isso eu explicarei mais tarde,” o lorde parou por um segundo de falar, mas logo retornou. “E outra coisa. Use isso, nunca tire, não terei utilidade para você.”
Nas mãos de lorde Aegon Azyrhal, estava uma máscara de laca vermelha, feita sob medida para esconder a marca de nascença do rapaz. “Não deixe que vejam a sua deformidade, senão seus dias na corte serão breves.”
Ao passo que Qeldlie, ou melhor, Vhaxes, vestia a máscara, seu pai continuou a falar em tom irritado, “pensei que jamais aceitaria um filho legítimo meu sem o grau de perfeição que desejo, mas infelizmente estou ficando sem tempo. Um período de caos está por vir, marque as minhas palavras. Não sei o que ou quando ocorrerá, mas os agouros foram claros. Preciso agregar aliados antes que seja tarde. Você irá me ajudar nessa missão.”
Chegando à corte do lorde Vaelon Azyrhal, Aegon apresentou aos presentes o “seu filho”. Esses o rodearam de perguntas, mas seguindo as instruções de seu pai, ele deixou seu pai falar em seu lugar.
“A semelhança é inegável, esse rapaz é mesmo filho do pai,” disseram.
“Ora, se não é o fantasma do próprio jovem Aegon que vejo na minha frente retornando para me assombrar,” disse o lorde Vaelon, com leve tom sarcástico.
“Para que essa máscara, meu jovem?” a senhora Alyssane indagou.
“Nunca achei que fosse ter filhos, querido tio,” um dos jovens filhos do lorde observou.
As respostas vagas que lorde Aegon dera à corte pareceram saciar a sede coletiva de informações, mas uma pergunta não se calava. “Onde ele passou esse tempo todo? Por que escondê-lo?”
Lorde Aegon pela primeira vez direcionou a palavra ao filho. “Vamos jovem Vhaxes, responda-os!”
“Meus lordes,” o jovem mascarado começou a falar. “Estive em uma jornada de aprendizado sob a recomendação de meu pai. Viajei o mundo conhecido, conseguindo conhecimento para melhor ser útil à grande casa Azyrhal. Fui instruído a me manter em segredo, pois caso não conseguisse retornar por conta própria com algo de valor, eu deveria nunca ter existido.” Essa era a história que Vhaxes foi orientado a contar. Cauteloso, contou-a com cuidado. Não deveria arriscar sua posição na corte ou perante o tirano de seu pai já em seu primeiro contato real com sua nova família.
“Típico do meu querido irmão. Pois bem, o rapaz terá um lugar em minha corte, se o agradar, meu irmão.”
Lorde Aegon concordou em silêncio, e com isso, o assunto foi rapidamente trocado para outro.
“Sim, meu suserano, meu lorde do sangue amarelo,” o esqueleto disse, surgindo por detrás do trono. “Use-os como os degraus para a sua grandeza… Você sabe como fazer… é fácil…”
As palavras tentadoras do esqueleto, como sempre, ecoavam pela mente de Vhaxes. Era isso mesmo que ele gostaria? A oportunidade de se vingar daqueles que o maltrataram quando criança, o pedido de seu mestre, e as provocações do esqueleto. Todos o levariam por um caminho escuro, mas era como se o rapaz se sentisse atraído por isso. Sim. Seu objetivo estava claro em sua mente, não seria mais “o fracasso”.
Desde então, o recém-renomeado Vhaxes Azyrhal se tornou membro da corte, embora ele tivesse certeza de que não seria aceito pelos seus pares com facilidade, ele aceitou o desafio e com seu objetivo em mente, começou a se acostumar com a sua vida nova em Valíria.