Symon está sozinho há algumas horas quieto no vagão cheio de sacas de cereais. O sacrifício de Viktor parece não ter sido em vão, já que faz horas que ele não percebe perigo. Durante a fuga, ele levou alguns tiros de raspão, mas ele improvisa facilmente uns curativos usando pedaços de sua roupa estancando o sangramento. Depois de umas horas em silêncio, ele resolve abrir o papel que Viktor jogou antes de… você sabe. O papel na verdade são dois papéis amassados juntos, Symon reconhece um deles, é o papel que Boris havia lhe entregado. Um sentimento gigante de perda toma conta de sua mente, percebendo que pela segunda vez havia perdido tudo na vida. — Pelo menos agora tenho minha liberdade… — disse a si, suspirando. Depois de uns minutos relembrando de seu tempo em Vorkuta, ele volta a si e começa a ler os papéis.

O papel de Boris diz:

“Reznov, se eu não conseguir chegar ao fim com você, ao chegar em Moscou, procure por um homem com uma tatuagem de estrela na mão direita, ele é o contato da Bratva na estação de trem. Se você disser que o urso de gelo de Madagan te deve um favor, ele vai te deixar em qualquer lugar da Europa de graça, sigilosamente e sem fazer perguntas. Cuidado que a minha senha só funcionará uma vez, então não tente de novo. Boa sorte, espero que consiga sair, se tem alguém que merece a liberdade nessa porra de buraco é você.”

E o papel de Viktor diz:

“Meu amigo, sinto muito por ter mentido por você, mas desde que coloquei meus olhos em sua energia, eu só queria que você escapasse. Você pode não compreender meus motivos, mas leia meu último desejo, se fizer o que eu pedir, você eventualmente entenderá

No fim deste papel eu anotei um conjunto de coordenadas, vá até lá e pegue o que encontrar para si, lá você encontrará algo que é muito precioso para mim, algo de grande valor que escondi décadas atrás, lhe será útil, eu garanto.

N54°11’50” W4°34’35”

Boa Sorte, aproveite sua liberdade por mim.”

Não tenho nada para fazer, não posso voltar para casa ainda, não sei se estão me procurando… Hmm 54 norte 4 oeste, acho que fica na Europa Ocidental, Inglaterra ou França imagino… Talvez seja um bom lugar para eu ficar enquanto eu vejo como está a minha situação… — murmurou Symon.

Symon passa as longas horas dormindo um pouco, e pela primeira vez em anos, ele se sente relaxado no sono, e não oprimido como de costume. Symon acorda com fome, e resolve aproveitar que está rodeado de trigo, e come um pouco. É melhor que rato, mas por pouco… Passam mais umas horas, e ele vê Moscou crescendo no horizonte.

Ao chegar na estação, por volta de 7 da manhã, antes de o trem parar, Symon salta do vagão e o fecha. Ele olha em volta procurando o caminho para a plataforma de passageiros. Ele segue as placas até chegar em um lugar lotado de pessoas, mas, ao contrário do que achava, ninguém liga para suas vestes sujas de prisioneiro, a multidão apenas o toma como mais um indigente dentre vários outros.

Symon teme ser reconhecido por algum conhecido naquele lugar lotado, então inicia logo as buscas pelo homem com a tatuagem na mão direita. De começo, ele procura por homens que qualquer um acharia fazer parte da Bratva, mas não encontrou ninguém daquele jeito. Ele se senta em um banco na plataforma, e pensa se o contato de Boris ainda estaria lá, afinal, faziam 12 anos que o brutamontes havia desaparecido. Nesse momento, ele olha em volta, como quem não espera nada, e vê a tatuagem de estrela, e na mão certa! Mas, ao contrário do que pensava, a mão era de mulher idosa, de uma babushka saída direto de filmes de folclore.

Sem perder tempo, para não perder ela de vista, ele se levanta e vai andar em direção a ela. Boris o ensinou como se comportar ao interagir com um membro da Bratva, então Symon seguiu a risca. Ele se aproximou da senhora, ficou de costas para ela como que se para disfarçar a conversa, e disse em tom somente alto o suficiente para ela ouvir:

O urso de gelo de Madagan me deve um favor.

Ela se virou com cara de surpresa, e sem dizer nada, indicou para que a seguisse. Symon a seguiu até uma parte da plataforma que estava deserta devido a reforma, e ao chegar, ela disse:

Então você encontrou Boris? Ele está vivo? Ou melhor, não responda. Não diga nada, apenas siga minhas instruções. Você já sabe para onde quer ir?

Seguindo a instrução de ficar calado, Symon somente mostra as coordenadas da mensagem de Viktor, N54°11’50” W4°34’35”. Ela olha para as coordenadas, e diz:

Isso fica na Inglaterra, Ilha de Man se eu não estou errada, muito bem, partimos agora. Primeiro temos que nos livrar dessas roupas sujas, você saltará os olhos das pessoas durante a viagem se estiver assim. — Ela pega uma mala escondida atrás de uma lata de lixo, a entrega para Symon e diz:

Use as roupas dessa mala, deve haver algo que te serve aí dentro. E se livre desses trapos no banheiro.

Symon foi ao banheiro, tirou a roupa suja e gasta do gulag, e aproveitou para se lavar, passou a fria água da torneira pelo rosto, mão e cabelos. — É, vai ter que dar. — fala ao ver uma roupa formal: calça, camisa e sapato, da cor cinza. Na mala ele encontra também uma navalha, e aproveita para dar uma normalizada na barba, que estava toda bagunçada, já que em Vorkuta ele somente tinha uma pedra afiada para cortar o excesso.

Passam alguns minutos, a senhora já estava ficando impassiente, quando sai Symon do banheiro, parecendo outra pessoa, sem as camadas de anos de encardimento e barba aparada. — Já não era sem tempo. — disse ela, ao mesmo tempo que o agarra pelo braço, levando-o para o estacionamento. — Você pegará o avião da Bratva, ficará no compatimento de carga até chegar em Londres, ele parte em duas horas. Se perder o voo, não receberá outra chance. De lá os meus camaradas irão te guiar ao voo domestico para a Ilha de Man. Alguma pergunta? — sem que Symon tenha tempo para pensar, ela continua — Então vamos.

Symon entra no carro, que o leva para o aeroporto, e de lá a senhora o passa pela segurança sem problemas, colocando-o no compartimento de carga de um jatinho. Ele dorme por toda a duração do voo, aproveitando o tempo para relaxar um pouco, já que não sabia se ia ter tempo para dormir quando chegar a Londres. Após três horas e meia, Symon é acordado pelo impacto do avião na pista de pouso.

Estou tão longe de casa… se bem que nem tenho casa né? — disse para si, descendo do avião e entrando no carrinho de malas. Os associados da Bratva evitam a segurança do aeroporto, e conseguem colocá-lo no portão de voos domesticos. Eles dão para Symon uma passagem e um passaporte forjado, e dizem boa sorte. Ele verifica a passagem, que diz “London to Isle of Man”, e quando olha para frente para fazer uma pergunta, os homens já haviam desaparecido. — Senhores passageiros, o embarque do voo para Isle of Man se iniciará em instantes — disse em inglês a voz no alto falante. — Sorte que eu fiz inglês na faculdade… — Symon disse para si.

Symon embarca sem incidentes, deixando tudo para tras, a Bratva, a Russia, e seus amigos e namorada, que alias já deve ter partido para outro a tempos. Suspirou.

O voo é tranquilo, apesar das comissárias de voo terem um pouco de dificuldade em entender o sotaque russo. Após uma hora e meia, o comandante anuncia que estavam pousando.

Symon sai do avião pela escada, já passa das sete da noite, o sol está se pondo, o céu está nublado e as temperaturas estão tranquilas (para um russo), por volta de 12 graus centígrados. Ele passa pelo procedimento de desembarque sem problemas, e percebe um detalhe importante.

Ferrou, tô duro.

(continua na aventura solo 3. Coordenadas)