Symon se aproxima do baú e o abre. Seu conteúdo o surpreende, do lado de dentro da pequena arca, estão um livro extremamente antigo, e quarenta e sete moedas de ouro extremamente gastas. Symon pega as moedas, e as admira, pois nunca tinha visto ouro até agora, pelo menos não em suas mãos. Ele coloca o ouro nos bolsos, sentindo o peso das moedas, bem mais pesadas do que moedas de 5 rublos russas, as mais pesadas na terra mãe.
Agora ele volta sua atenção para o tomo antigo, um livro com capa de couro em branco e páginas visivelmente grossas. O russo tira o tomo de 20 por 15 cm do baú, e o abre em uma página aleatória, revelando escritas que nunca havia visto, com gravuras distorcidas e desconfortáveis. Symon não se sente bem segurando esse livro, mas deve valer algum dinheiro, então ele resolve levá-lo para a cidade para vendê-lo junto das moedas.
O russo começa pegar o caminho de volta para fora da floresta, agora por volta de 3 horas da tarde, enquanto olha no mapa para ver se dá tempo para chegar a Castletown antes do anoitecer. Não vai dar tempo, levaria pelo menos 4 horas para voltar a cidade do aeroporto, mas na beirada direita do mapa impresso, ele vê a cidade de Douglas, que fica a somente duas horas de caminhada de distância para leste, ao invés do sul.
Sair da floresta foi muito mais fácil que a viagem de ida, apenas meia hora de caminhada e Symon já está de volta a estrada pavimentada, acompanhando o caminho mentalizado. Estranhamente, durante todo o percurso, ele se sente agourado, como se tivessem olhos o observando todo o tempo e de todas as direções. Passam vinte minutos, e Symon que o tempo, que estava ensolarado, agora está nublado, e parece que virá chuva.
Symon não quer arriscar, já que não gosta de se molhar, e começa a correr. Ele chega a rodovia A1 que pegou para chegar até lá.
— Agora é só seguir reto, que eu devo chegar em Douglas. — diz o russo, enquanto corre.
Symon corre em ritmo constante, não tão rápido, por uma hora, a rodovia está estranhamente vazia, ele não vê um único carro que possa dá-lo carona, não vê ninguém na verdade, é como se a ilha estivesse desprovida de vida. Após mais alguns minutos, no horizonte, começam a surgir luzes de cidade para o alívio do russo.
— Já estava achando que eu estava perdido, não falta muito agora. — disse, durante uma pausa para retomar o fôlego. Essa corrida que fez até agora, apesar de não tão longa, por volta de 5 quilometros, já toma seu preço no corpo de Symon, que apesar de sempre ter feito corrida em Moscou, perdeu quase todo o preparo físico em Vorkuta. Graças a isso, ele, já ofegante, passa a somente caminhar pelo acostamento da rodovia.
Faz tempo que o sol foi oculto pelas nuvens escuras do céu, e por causa disso fica mais difícil medir o tempo, mas Symon deduz que ainda deve ter umas 3 horas até o por do sol, que ocorre por volta de 19h nessa ilha e época do ano. O tempo já dava dicas de que começaria a chover a qualquer momento, e esse momento chegara, e a chuva não estava leve, eram pingos grandes e doídos. Em menos de 5 minutos nessa chuva, e Symon já está ensopado, o mapa está a desmanchar em seus bolsos, enquanto faz de tudo para proteger o livro antigo da água.
Ele corre, corre e corre por pura força do desespero, e chega a cidade finalmente, procurando desesperadamente uma cobertura para se abrigar. Ele olha em volta, vendo um relógio de rua indicando 5:32 PM, uma praça quase alagada, e um restaurante fast food com as portas abertas, um McDonalds.
— Quem diria que uma caca americana dessas ia me deixar feliz uma vez na vida. — disse ao passar pela porta e entrar no ambiente climatizado. Suas roupas estão pingando, completamente encharcadas, mas apesar disso, o livro está completamente seco. A atendente olha para Symon e pergunta se poderia ajudar, claramente com a intensão de lhe vender um lanche, mas ele pergunta para ela se há algum lugar onde ele poderia vender, ou pelo menos identificar o valor de certas peças antigas que ele recebera de herança. Ela, com olhar confuso, pergunta para os colegas se alguém conhece algo do tipo, e por sorte, o gerente conhece um lugar, uma loja de penhores perto do porto. Ele passa as instruções de como chegar na loja para Symon, este agradece pela ajuda e olha para fora da porta transparente.
A chuva, que nesse momento já pode ser chamada de tempestade, não está mostrando sinais de que vai parar tão cedo, então, como ele já está encharcado mesmo, Symon resolve ir na chuva mesmo para a tal loja de penhores.
O caminho para a loja não é curto, mas Symon, aproveitando que não há ninguém na rua, ele usa sua nova magia para se proteger da chuva a cada 10 metros. Nesses testes ele aprende que não consegue mover as barreiras etéreas depois de criadas, e que somente consegue criar uma por vez. Por 20 minutos o russo corre de cobertura em cobertura, eventualmente usando sua magia para obter proteção adicional da tempestade, que agora troveja ferozmente, até que ele avista o seu alvo, a placa que diz:
Money Express
Pawn Shop
Open 24hrs
Ele se alivia ao vê que a loja está aberta, e entra sem mesmo bater. Lá dentro, um homem careca e gordo o recebe dizendo:
— Mas o que é isso?!
— Desculpe, mas eu quero que você de uma olhada nisso. — respondeu Symon, tirando o livro e as moedas da roupa, e os colocando no balcão. — Você sabe alguma coisa sobre elas?
— Eu, erm… — o homem fica meio desconsertado com a reação do russo, mas logo se recompõe. — bom, vejamos o que você trouxe... — ele observa os itens na mesa — hmm, essas são moedas de ouro espanholas, dobrões de ouro, não são muito raros e estão muito gastos, mas ainda é ouro 24 quilates, valem um bom valor por grama. Mas esse aqui… — ele olha para o livro. — Não me é familiar, é obviamente um livro antigo, pelo papel de pele de cordeiro, e a capa de couro batido. — ele abre o livro em uma página aleatória e se surpreende. — Nossa, nunca vi escrita como essa, e essas gravuras… Não consigo imaginar muitos clientes para essa peça aqui… posso te dar 10 libras por ele, e estou sendo bondoso…
— É, o livro era um tiro no escuro mesmo, mas e as moedas?
— As moedas são dobrões espanhóis de 1757, existem várias dessas que você consegue comprar pela internet, mas eu posso comprar o peso delas em ouro, são quarenta e sete moedas… deixe-me pegar minha balança. — Ele pega uma balança debaixo do balcão. — Aqui, são… 317,25 gramas, o ouro hoje está a 22,37 libras, eu posso comprá-las por 4700 libras.
— Espera, isso dá menos que deveria, pela minha conta, era para dar pelo menos 7000 libras! — disse pegando as moedas da balança.
— É o seguinte, eu vivo de compra e venda de curiosidades e outras coisas, e tudo que eu compro eu tenho que vender. Se eu compro por muito, eu tenho que tenho vender por muito, eu não vou conseguir vender. É pegar ou largar.
— Sorte sua eu estar desesperado, eu topo… — Symon disse desanimado. Ele tirou as moedas do bolso encharcado, e as colocou na mão do comerciante, que em troca, o dá as 4700 libras em dinheiro.
— E o livro? Vai ficar com ele? — Indagou o dono da loja.
— Vou, acho que consigo mais com outras pessoas. Nada contra.
— Claro, sem problema. Agora, sem querer ser grosseiro, mas você está encharcando o carpete, por favor, vá para outro lugar.
Symon olha para o chão e percebe que fez uma poça d’água no carpete vermelho e manchado da loja. — Nossa, nem percebi, me desculpe, já vou indo. — Ele não perde tempo, já que o dono da loja parece um tanto irritado, e sai da loja para a tempestade.
A tempestade parece ainda pior, se é que isso é possível. Seu sangue russo resiste bem ao frio, mas tudo tem limites, sua pele está gelada novamente, e agora, com dinheiro no bolso, ele procura urgentemente um lugar quente para dormir. O céu está escuro como a noite, apesar do sol ainda não ter se posto. E o pior de tudo, Symon está se sentindo fraco, já que não come nada desde o incidente com os morangos silvestres pela manhã. Ele corre de toldo em toldo, de árvore em árvore, e eventualmente, quando ele tem certeza que ninguém está vendo, ele usa sua magia para se proteger. Ele corre pela via litorânea, de um lado há ondas enormes e bravas, e do outro, comércios fechando suas portas devido à hora. Após o que parece uma eternidade, por sorte, Symon avista uma placa em neon velha piscando o texto:
Cubbon House Hotel
Há vagas
— Vai esse mesmo. — disse o russo debaixo de uma Arimafei Bar’yer. Ele vai direto para lá em alta velocidade, tendo cuidado para não tropeçar no caminho. Ele chega a porta, a abre e entra no ambiente aquecido do hotel. Para evitar a situação da loja de penhores, ele pede educadamente um apartamento na recepção, e paga por uma noite.
No apartamento ele pede serviço de quarto e aguarda a tão esperada refeição. Assim que ela chega, ele a devora ferozmente, e logo depois tira as roupas, esticando-as no chão do banheiro, já que o mesmo é aquecido e deve secá-las até a manhã. Ele toma um banho quente, tirando todo o frio de seu ser, e cai na cama, dormindo quase instantaneamente.
No umbral o mundo não está tão diferente, o quarto de hotel está mais sombrio, e o som da chuva parece mais monstruoso do que no mundo físico. O reflexo da tempestade no mundo real parece uma chuva de gotas de fumaça negra, dando a impressão de algo ruim. Como Symon nunca havia visto chuva no umbral, ele toma aquilo como normal e aproveita para explorar a cidade. A noite está escura, os postes de luz pouco fazem para iluminar no umbral, e o clima apenas piora a situação.
A sensação de perseguição o assombra ainda mais fortemente neste mundo, chegando a ser quase ameaçadora. Symon, para ter certeza de que seu corpo está bem, ele olha em volta, e se tranquiliza com a serenidade do local. O livro antigo, aquele que parecia imune a água da chuva, agora está envolto em uma fina névoa negra, mas fora isso, nada de anormal se passa.
A noite passa lentamente, Symon tinha resolvido passar a perto de seu corpo, caso alguma coisa acontecesse, mas, ainda bem, nada ocorreu.
De manhã, Symon acorda as 6 da manhã devido ao jetlag, embora não completamente descansado. Ele espera até as 8 da manhã para ir fazer o check out, e para passar o tempo, ele liga o televisor.
No primeiro canal sintonizado, uma notícia perturbadora é transmitida por uma âncora de jornal matinal:
— E agora voltamos as notícias locais, aqui na ilha, aparentemente estamos sofrendo um tipo de bloqueio, já que todos os navios e aviões que chegariam aqui pela manhã foram redirecionados para outras partes do Reino Unido. Os aviões e embarcações programados para partirem da ilha também estão sendo impedidas por uma força especial de origem desconhecida. Por enquanto a multidão está calma, mas não sei por quanto tempo isso irá durar. E agora nos esportes, o Manchester United…
Symon parou de prestar atenção. Nas imagens da TV, ele viu pelo menos um dos símbolos que Viktor tinha descrito como símbolo de caçadores de magos. Não tem mais jeito, tenho que sair daqui o mais rápido possível.
Symon se veste com suas roupas, agora secas, sai do quarto com rapidez e parte para a recepção do hotel. Lá ele paga o serviço de quarto, fato que o deixa com 4640 libras no bolso. Pelo menos ele está quase descansado.
Olhando através da porta de vidro, fora do hotel, a tempestade ainda está bem forte.
— Está claro que essa tempestade é coisa bem errada… Droga, justo agora que terei que sair daqui… — disse em voz baixa a si mesmo. — Bem que o Viktor me avisou que eu não teria mais sossego…
(continua?)